AQUELAS CUJO NOME NÃO SE PODE PRONUNCIAR
Elas humanizam-nas, humanizam as coisas, enquanto se desumanizam.
Raras são as vezes que as conseguimos detetar, entre o comum mortal dissimuladas, elas cá estão, no entanto, dificilmente as sabemos identificar. O homem, o marido, o esposo, este pobre e indefeso ser, consegue, por vezes, ver, brotar do seio de sua nobre e gentil mulher, entre gemidos e uivos mais fortes que raios, num clímax de êxtase e de histeria, ela se revela. A mulher usurpada, assim, liberta livre e solta, é, temporariamente, metamorfoseada n’ Aquela cujo nome não se pode pronunciar.
Renunciem!
Hoje, elas manifestam-se, no meio da Laurissilva açoriana, esquivas, sob o crepúsculo de uma névoa quente, seus pés descalços, enraízam-se à terra, pisam o musgo encharcado, esmagam os ramos, os fungos e em suas mãos espremem o barro molhado. Transformam os cogumelos em flor, flor maldita, sempre, sempre viva de seres, pequenas criaturas nunca antes avistadas. Elas humanizam-nas, humanizam as coisas, enquanto se desumanizam.
Hoje, só hoje, seus corpos dançam com as árvores, sim, as árvores também dançam com elas. Suas vozes emitam o piar da coruja, as cigarras estridentes, o agudo assobio do vento, emitam o lobo que não é lobo nem é cão, são elas que festejam, que celebram, que riem, que se casam com a vida, se entrelaçam, rodopiam, bebem a poção. Do amor dizem elas. Mas, não.
Renunciem-se, mulheres!
Como ousam vocês extravasar assim o ímpeto de viver?
Renunciem!
Que ligação é essa à Terra, ao místico, ao querer ser natural?
Renunciem!
Ceder assim ao instinto é coisa de bicho. Ceder ao instinto é coisa de animal.
Deixaram-se possuir, por ingenuidade, por infantilidade talvez, não sei, mas é profundamente desmoralizador, vocês, outrora mulheres como é dado de ser, deixarem-se possuir por Aquelas cujo nome não se pode pronunciar.
(30-10-2021)